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sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

 

Coronavírus e neurologia: o que temos até agora?

coronavírus em imagem digital

Surgirão sintomas neurológicos associados à recente epidemia de coronavírus (Covid-19)? É o que muitos se perguntam, lembrando de casos recentes, como a Zika, que esteve relacionada a quadros de Guillain-Barre, por exemplo. Dentre os sintomas mais frequentes, cefaleia, mialgia e fadiga já se estão descritos no quadro clínico típico do COVID-19, como descrito numa revisão do BMJ este mês. Agora, um grupo chinês acaba de publicar um primeiro artigo sobre este assunto, que resumimos abaixo.

Manifestações neurológicas no coronavírus

Reunindo dados de 214 pacientes internados em três hospitais na região de Wuhan (onde foi o início da epidemia) e revisando os prontuários, um time de neurologistas identificou que 78 pacientes (36,4%) tiveram manifestações neurológicas. Estes sintomas foram agrupados em três tipos:

  • Sistema nervoso central (53 pacientes): dor de cabeça, tontura, sonolência/diminuição do nível de consciência, ataxia, AVC/isquemia cerebral e crise convulsiva;
  • Sintomas do sistema nervoso periférico (19 pacientes): hipogeusia (alteração do paladar), hiposmia (alteração do olfato) e neuralgias (diversas dores de origem neurológica);
  • Sintomas musculares esqueléticos (23 pacientes): mialgia / dor muscular.

Como eram estes pacientes?

Neste estudo, todos tiveram diagnóstico de COVID-19 confirmados por PCR. Os pacientes graves – independente de haver sintomas neurológicos – eram mais idosos e possuíam mais comorbidades (principalmente hipertensão arterial). Também possuíam CK, LDH mais elevados que os pacientes não graves.

Esses quadros mais severos tendiam a apresentar menos os sintomas típicos (como febre e tosse), mas era este grupo que apresentou mais sintomas neurológicos (45.5% vs 30.2%), como AVC (5.7% vs 1 0.8%), consciência rebaixada (14.8% vs 2.4%) e sintomas musculares (19.3% vs 4.8%). Estes pacientes possuíam contagem linfocitária mais baixa e d-dímero mais alto.

Mecanismos de ação

Sobre o mecanismo de ação, pode haver meios diretos e indiretos, estando possivelmente relacionados à enzima conversora da angiotensina 2 (ACE-2), a qual está presente em diversos tecidos, incluindo o SNC. Pode haver penetração no SNC por via hematogênica ou por via neuronal retrógrada (por exemplo, via nervo olfatório, já que muitos pacientes possuem hiposmia).

A revisão atual lembrou ainda que foi confirmada lesão neurológica em infecções de outros tipos de coronavírus, como o SARS-CoV-1 e o MERS-CoV, sendo identificado seu DNA no líquor e na análise de tecido cerebral durante autópsias de pacientes dessas outras condições.

Discussão e recomendações finais

Dentre as limitações desta série de casos, destacamos o fato de haver relativamente poucos pacientes e todos serem provenientes de apenas uma determinada região. Por isso, precisa-se observar um número maior e de diferentes países. Outra observação é que pode haver mais pacientes que apresentem apenas sintomas neurológicos leves (como hipogeusia e hiposmia) e por isso não foram contabilizados neste estudo, já que não houve internação hospitalar nestes casos.

Além disso, necessita-se de mais dados sobre a evolução destes sintomas neurológicos, sobre informações avindas de exames complementares (como ressonância magnética de crânio) e a magnitude real da repercussão clínica.

Como conclusão, recomenda-se atentar para possíveis quadros neurológicos nos pacientes com suspeita de COVID-19, principalmente os quadros mais graves. Para casos duvidosos, pode ser interessante a avaliação de um neurologista para diagnósticos diferenciais. Afinal, como se sabe, numa epidemia pode haver o fenômeno do “overdiagnosis” e não podemos esquecer de outras causas que mais comumente podem gerar os quadros neurológicos mencionados acima.

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