segunda-feira, 24 de abril de 2017

Mulher: fases e esclerose múltipla



Posso usar anticoncepcional?
Posso engravidar?
Devo continuar tomando minhas medicações?
Devo fazer cesárea?
Poderei amamentar?
Posso ter agravamento da doença no período da gestação e parto?
Conseguirei cuidar do meu filho? Vê-lo crescer?
Quais os riscos de meu filho também ter a doença?

Estes são questionamentos frequentes na cabeça de uma mulher com esclerose múltipla.

Vamos conversar sobre vários aspectos deste amplo e tão importante tema.

A mulher enfrenta várias nuances em seu corpo inerentes ao gênero: variações hormonais, menstruação, gestação, parto, puerpério, menopausa. Na mulher com esclerose múltipla esses podem ser fatores de flutuação de seu quadro.


Menstruação



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Sintomas podem se agravar no período menstrual, confundindo, em algumas situações, com surto.

Estudo com 149 mulheres demonstra que 70% agravaram 7 dias antes do fluxo e 3 dias após, predominantemente: desequilíbrio, fraqueza, depressão e fadiga. Acredita-se que isto se deva ao aumento da temperatura corporal neste período.

Alguns medicamentos podem causar irregularidades no ciclo menstrual: Mitoxantrone, Natalizumab, antidepressivos. Os interferons podem ocasionar sangramento entre ciclos.


Contracepção


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A esclerose múltipla não afeta a fertilidade, por isto a contracepção deve ser realizada principalmente em uso de imunomoduladores e imunossupressores.

O melhor método é o que se adequa ao ritmo de vida da mulher e do seu parceiro. Sempre discuta com o seu ginecologista.


Menopausa


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Com sua queda hormonal característica não parece influenciar a esclerose múltipla, nem positiva, nem negativamente.

Algumas queixas sintomáticas podem se agravar principalmente relacionadas ao controle urinário e fadiga, porém estas são maiores na menopausa sem esclerose múltipla também.

Mais importante ainda nesta fase é cuidar da alimentação, hidratação e atividade física.

Não há contraindicações para terapia hormonal (TRH), mas a necessidade, qual tipo utilizar, quando e por quanto tempo devem ser discutidos com seu ginecologista.


Gestação



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Ocorre nesse momento uma mudança do sistema imune, o feto é albergue de antígenos estranhos ao organismo. Não nos esqueçamos de que 50% dele são genética paterna, estranha ao organismo materno. Em resposta a isso, a gestação induz um desvio imune com o intuito de proteger o feto e ao mesmo tempo altera a resposta autoimune, beneficiando a mulher na gestação.

O estudo PRIMS (The pregnancy in multiple sclerosis study), o primeiro grande estudo prospectivo observacional multicêntrico, realizado com 12 centros europeus que procuraram avaliar a atividade inflamatória na gravidez e no parto no curso clínico da esclerose múltpla, demonstrou declínio significativo de surtos durante a gravidez, em particular no terceiro trimestre, seguido de agravamento nos três primeiros meses pós- parto, pois nesta fase ocorre o rebote imunológico, ou seja, retorno ao padrão pré-gestação.

Foram avaliadas 227 mulheres com esclerose múltipla que apresentaram gravidez a termo e foram observadas por 1 ano pós-parto. Verificou-se redução da atividade da doença mais marcada no terceirro trimestre (70%), dramática redução das lesões ativas na gestação com ressurgimento no pós-parto.

A gravidez ideal é a planejada, costumo brincar que a três: mulher, parceiro e seu médico. Brincadeiras a parte, um planejamento adequado minimiza riscos, evita gravidez em vigência de medicamentos e seus possíveis riscos. Uma pessoa livre de surtos e sem alterações novas em ressonância, por ao menos 1 ano, chance de gestação tranquila e sem surpresas.

É uma conduta de maior segurança se realizar ressonância antes da decisão de engravidar, em especial em pessoas com história de alta atividade da doença; se exame mostrar atividade inflamatória ou pior que exame anterior é seguro postergar a concepção e repetir as ressonâncias após 6 meses.

E se eu surtar na gestação e/ou puerpério?
Pulsoterapia venosa com corticoide padrão – metilprednisona, de 3-5 dias.
Imunoglobulina venosa – reduz incidência no pós-parto
Plasmaférese – segura, alternativa para pulsoterapia, sem risco para o feto e segura na amamentação.

O pré-natal é diferente?

Não difere da população que não apresenta a doença. A gestação pode agravar sintomas intestinais e urinários. Deve-se monitorar com maior cautela risco de infecção urinária.

O aumento de peso, que gira em torno de 12 kg, muda o centro de gravidade corpóreo, isto pode acarretar maiores dores lombares, fadiga, instabilidade postural, desequilíbrio, maior dificuldade pra caminhar. O maior peso sobre a bexiga, ocasionado pelo útero aumentado, acarreta muitas vezes agravamento em quadros de incontinência urinária. Uma outra situação que deve ser monitorada com maior frequência é o risco de infecções urinárias que podem aumentar nesta fase e sem sintomatologia clínica, nesta situação se faz necessário realização de exames de urina periódicos.

O intestino, devido as mudanças hormonais apresentam uma mobilidade diminuída. Maior risco de constipação, devendo-se atentar a uma dieta rica em fibras, hidratação, atividade física moderada e com regularidade.

Há um risco maior de estase circulatória nas veias dos membros inferiores, devido compressão das veias pelo ventre aumentado, isto acarreta edema de membros inferiores, aumento de varicosidades. Uso de meias elásticas, evitar tempos prolongados em pé ou sentada, repousos intermitentes no decorrer do dia com os membros elevados e uma maior restrição de sal na dieta auxiliam, além da manutenção de atividade física regular e moderada.

Um controle rigoroso do aumento de peso e seguimento de dieta equilibrada auxiliam cuidados especiais em cadeirantes e em espasticidade.

E o parto? Anestesia?

Indicação de cesárea é obstétrica. Taxa cesárea de 10-40% em pacientes com espasticidade, fadiga e fraqueza neuromuscular perineal.

Estudo de 423 partos, sendo 321 mulheres com esclerose múltipla com controle e as demais sem a doença, não encontrou diferença no peso de nascimento da criança, da idade gestacional média, da duração do trabalho de parto e do Apgar do quinto minuto.

Uma metanálise que avaliou 22 estudos publicados de 1983 a 2009, não encontrou maior visão de baixo peso, abortos, prematuridade, malformações ou mortes neonatais. Outros estudos não observaram diferenças entre duração e via de parto, taxa de complicações quanto à diabetes gestacional e pré-eclâmpsia.

Não há correlação entre via do parto, anestesia epidural e surtos pós-partos.

Em síntese: parto normal pode ser realizado e cesárea só se indica na vigência de necessidade obstétrica e casos especiais.

Posso fazer ressonância?

Não há registros de malformações fetais relacionadas com a realização de ressonância durante a gestação, mas não é recomendada, a não ser que o exame possa modificar a conduta clínica.

Posso amamentar?



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Sim, mas deve evitar uso de imunomoduladores durante a amamentação, pois não se sabe se há passagem para o leite materno.

A amamentação está associada com baixo risco de surtos, no entanto se ocorrer atividade da doença ou surtos deve-se reintroduzir os imunomoduladores e reve a continuidade da amamentação.


Qual o risco de meu filho desenvolver a doença?

A esclerose múltipla não é considerada uma patologia hereditária, com a visão Mendeliana de transmissibilidade, ou seja, de mãe para filho, avó para neto.

A causalidade exata da doença ainda é desconhecida. Hoje se crê em um imbricamento multifatorial, no qual susceptibilidade genética e fatores ambientais têm papéis a desempenhar no desenvolvimento da doença.

O risco do filho ter esclerose múltipla quando um dos progenitores é acometido pela patologia é de 4%, se os dois 30%. Na população geral 0,2%.

O que faço com a medicação? Devo manter? Suspender?

Assunto polêmico e de difícil resposta visto a delicadeza ética que o envolve.

Não há estudos que se realizem em gestantes com o intuito de analisar riscos na gestação. Os dados conhecidos são de acidente, ou seja, mulheres que engravidaram inadvertidamente (sem planejamento) e experimentação em animais.

O FDA classifica os riscos das drogas e gestação, em classe alfabética. abaixo tabela explicativa:


FDA – Categorias na gestação
A – Estudos controlados não demonstram risco no primeiro trimestre
B – Estudo animal de risco/ ser humano desconhecido
C – Risco animal/ usar com cautela, benefícios podem superar riscos
D – evidência de risco fetal/ situações especiais benefícios podem superar riscos
X – riscos superam benefícios



Tabela com característica dos imunomoduladores aprovados e em via de aprovação e sua correlação com fertilidade e  risco de malformações fetais e amamentação:



Medicação
Classe
Presença no leite
Amamentação
Fertilidade
Teratogenicidade
(Capacidade de produzir malformações congênitas no feto)
Interferon

C
Desconhecido
Evitar
_________
População geral
Glatirâmer

B
Sim
Evitar
Não cruza placenta
____________
Mitoxantrone
D
Sim
Evitar
Cruza placenta
Sim

Natalizumabe

C
Desconhecido
Evitar
Cruza placenta
Sim
Fingolimode
C
Sim
Evitar
Cruza placenta
Em ratos anomalias congênitas
Fumarato
C
Desconhecido
Evitar
Desconhece se cruza placenta
Não em ratos e coelhos
Alemtazumabe
D
Desconhecido
Evitar
Desconhece se cruza placenta
Em ratos alterações
farmacológicas durante e pós-parto
Ocrelizumabe

Desconhecido
Desconhecido
Desconhecido
Desconhecido
Desconhecido
Daclizumabe

C
Um pouco
Evitar
Desconhecido
Em macacos
Laquinimod
Ainda em aprovação
Sim
Evitar
Cruza placenta
Má formação em ratos, mas não em coelhos
Teriflunamida
X
Sim
Evitar
Cruza placenta
Más formações em animais

Rituximabe
C
Desconhecido
Evitar
Desconhecido
Desconhecido



Observações:
Deve-se utilizar anticoncepcional em idade fértil quando em uso dessas medicações.
Fingolimode – após parada esperar 2 meses para engravidar
Alemtazumab – utilizar anticoncepcional 4 meses após infusão


Conseguirei cuidar de meu filho? Vê-lo crescer?

Essa questão é universal para cada mãe e pai. Dúvidas sobre: Como estarei? Darei conta? E se tiver alguma limitação maior?

Quem conhece o amanhã?

Essas dúvidas são inerentes ao ser humano, à recém-mãe e ao recém-pai com ou sem esclerose múltipla, sem ou com limitações visíveis ou não.

A vida é uma caixa de surpresas, com erros e acertos, alegrias e tristezas, medos e superações.

Questões a serem respondidas:

Olhar com benevolência e resiliência para com a vida. Adaptações talvez sejam necessárias, planejamento minucioso e organização das atividades e do ambiente doméstico. Um terapeuta ocupacional pode auxiliar na escolha e adaptação de objetos, disposição deles, pequenas modificações nas rotinas, de técnicas de conservação de energia e transformar o dia a dia mais simples.


Aconselhamentos – Síntese

Gravidez não interfere negativamente na doença.
Gestação planejada. Suspender medicação previamente.
Puerpério: maior risco de surtos. Discussão: amamentação x reintrodução de medicação.
Binômio gestante x médico próximos.
Individualização: cada pessoa é única, com seus anseios, suas dúvidas. Apreensões sobre capacidade de cuidar da família a curto e longo prazo. Isso te faz humano.


Liliana Russo
Neurologista
Diretora técnica da ABCEM

Fontes

Act. Obst.ginec.port. 2013; 7(4): 293-297
Buraga,i.,popovici,r. Multiple sclerosis and pregnancy: current considerations – scientific world journal: publish online 2014 april7.
Lorenzi,a.r., ford,h.l., multiple sclerosis and pregnancy – postgrade med j 2002 78:460-464.
Confreaux, m.d, et al. – rate pregnancy related. Relapse in ms.g new engl.j.med. 998,39:285-291



Paulista, médica graduada em 1987 pela faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes. Pelo interesse e grande curiosidade do desempenho da mente humana e bem como a interação do sistema nervoso central com o meio interno e externo, especializou-se em Neurologia Clínica , em 1990, pelo Hospital do Servidor Público Estadual. Buscou estudar a relação de trabalho e riscos à saúde, realizando estudo lato sensu, em 1997, pela Universidade São Francisco. Não satisfeita com a visão cartesiana e Galênica do ser humano e da medicina atual, buscou uma visão mais holística, por meio de especialização lato sensu em Homeopatia, em 1996, pelo Centro de Estudos do Hospital do Servidor Público Municipal e Medicina Tradicional Chinesa, em 2000, pelo mesmo Centro. E é com esta óptica amplificada que visualiza e aborda o ser humano hoje. Atuação Profissional: Médica Neurologista - sócia e Diretora Técnica da Holus Serviços Médicos Ltda - Médica Neurologista Assistente da Casa da Esperança de Santo André - Médica Neurologista e de Apoio nas Atividades Científicas da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla - Médica Neurologista Voluntária no Ambulatório de doenças desmielinizantes, da Faculdade de Medicina da Fundação ABC. Participante em diversos congressos nacionais e internacionais e publicação de artigos científicos. Diretora técnica da ABCEM.


Postado por ABCEM ABC Esclerose Múltipla às 21:11

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