Vacina de mRNA e EM: o que você precisa saber
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Tecnologia também está sendo divulgada como possibilidade de tratamento para a Esclerose Múltipla, mas estudos são iniciais e não têm garantia de eficácia até agora
Um dos assuntos mais comentados atualmente, sem dúvidas, é a vacinação da Covid-19. A corrida contra o relógio de pesquisadores, universidades, centros de pesquisa, laboratórios farmacêuticos e governos está sendo acompanhada em todo o mundo. Entre as opções viáveis, estão aquelas que atuam através do vírus inativo (Coronavac, desenvolvida em conjunto por sete instituições, entre elas a Sinovac Biotech e o Instituto Butantan); as imunizantes de subunidade proteica (feitas pelos laboratórios Novavax e Takeda); as baseadas em RNA (da ModernaTX com outras duas instituições e da Pfizer com outras duas instituições); e as com vetor viral não replicante (da CanSino Biologics e outras dez instituições, da Johnson & Johnson e outras duas instituições e da Universidade de Oxford, AstraZeneca e outras sete instituições).
Por meio de uma pesquisa publicada, o CEO da BioNTech, Ugur Sahin, mostrou que vacina de mRNA também poderia funcionar no tratamento da esclerose múltipla. A informação, ainda que verídica, deve ser analisada em sua realidade e complexidade. Por isso, conversamos com a Dra. Raquel Vassão e o Dr. Denis Bichuetti, ambos neurologistas e integrantes do conselho científico da AME, para entender melhor esse contexto.
Vacina de RNA mensageiro: o que é?
“O DNA é, digamos assim, a biblioteca de informações do nosso código genético. Os RNAs são moléculas capazes de selecionar aqueles livros que contêm a informação da proteína que se queira produzir e fazer com que ela entre na “linha de produção”. O mRNA, ou RNA mensageiro é o bibliotecário que pega o livro específico e leva para o local correto de produção na célula, fazendo com que, potencialmente, qualquer coisa possa ser produzida, além de estimular comportamentos celulares, de acordo com o livro que carrega, como também é um dos mecanismos de co-estimulação que pode ocorrer e levar a resposta inflamatória intensa e autoimune, na esclerose múltipla.”, explica a Dra. Raquel Vassão.
As vacinas de RNA mensageiro contêm moléculas de mRNA que já vem com “o livro na mão”, do que o corpo precisa produzir. No caso desta vacina para tratamento de Esclerose Múltipla, o mRNA tem as informações de livros que produzem os antígenos, ou seja, partes dos neurônios e da mielina que são atacadas pelo sistema imune de quem tem Esclerose Múltipla. “Contudo, em vez de estimular o sistema imune a replicar uma resposta inflamatória maléfica, a grande jogada desta vacina é que o mRNA não estimula o sistema imune para desenvolver resposta autoimune ruim, mas sim estimula o desenvolvimento de células T reguladoras, que se expandem e passam a “segurar a onda” da resposta autoimune sem desenvolver imunossupressão”, diz Vassão. Nesse estudo, os ratos que tomaram a vacina antes e foram estimulados para desenvolver o modelo animal de Esclerose Múltipla, a EAE (encefalite autoimune experimental) não desenvolveram sintomas da doença. Os que receberam a vacina no curso da EAE, tiveram redução dos sintomas e até regressão de alguns sintomas já instalados. Porém, algumas ressalvas são apontadas pela neurologista, “O comportamento do sistema imune na EAE não é idêntico ao da EM nas pessoas, e isso pode nos “confundir” nos resultados benéficos. Não dá para garantir, como em qualquer estudo pré-clínico, ou seja, em animais, que os resultados serão benéficos em humanos.”
O tempo das vacinas
Terapias com técnica de vacina de DNA não são novidade, e, inclusive, já estão em testes fase 2 para pessoas com EM. “Mas os resultados não têm sido muito animadores. Talvez não devam ser usadas isoladamente, mas em conjunto com outros medicamentos. O tempo dirá, a imunologia da EM é muito complexa”, afirma o Dr. Denis Bichuetti.
Além disso, testes em humanos ainda demorarão para dar resultados e podem não funcionar, uma vez que aqueles que são feitos com animais são estritamente controlados e têm o gatilho de desenvolvimento da EM pontualmente provocado. “Na ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) é igual, um monte de coisa prevenia a progressão no animal se dado antes do primeiro sintoma, mas não funcionou em humanos. Nem tudo é em vão, o remédio em si não chegou na prateleira, mas o conhecimento agregado de seu desenvolvimento e pesquisa ajudou o desenvolvimento do próximo medicamento”, completa Bichuetti.
As expectativas quanto ao tempo de desenvolvimento das vacinas também precisam levar em consideração alguns fatores. Apesar da agilidade observada nos últimos meses para encontrar uma forma de combater a covid-19, nem sempre o processo será assim. “Vacina para combater vírus pode e deve ser desenvolvida de maneira rápida. Normalmente os eventos adversos das vacinas ocorrem em até 30, 45 dias da injeção, além de ser uma doença viral, monofásica, que acontece em tempo delimitado. Por isso, e pelo altíssimo investimento financeiro e de mentes de cientistas, foi possível acelerar os resultados da vacina de COVID. Em se tratando de uma doença crônica como a EM, não dá para fazer estudos em pouco tempo”, explica Vassão.
Uma coisa é certa: é preciso ter atenção na veracidade e complexidade da informação disponibilizada, principalmente na divulgação de estudos pré-clínicos. Tem muita estrada ainda para chegarmos a algo factível.
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